Considerações legais em relação à alta médica e a “alta a pedido”
Dr. Thiago Soares Centurião
Um dos grandes dilemas que vive o médico em sua rotina profissional, certamente é no momento da alta médica e da “alta a pedido”, na medida em que esse procedimento, mesmo sendo oriundo do mesmo ato, pode gerar consequências completamente diferentes.
A alta médica hospitalar, como o próprio termo identifica, decorre de uma prerrogativa do médico, responsável direto pela internação, acompanhamento e assistência do paciente, sendo esta alta, geralmente, o termo final do procedimento/tratamento a que foi submetido o paciente.
Na contramão desta alternativa, encontra-se a “alta a pedido”, termo que, muito embora utilizado corriqueiramente no meio médico, não é tecnicamente correto, pois, como afirmado anteriormente, a alta é prerrogativa do médico, não havendo possibilidade de delegação desta responsabilidade.
No entanto, é bem verdade que o paciente possui liberdade e autonomia e pode requerer o abandono do tratamento hospitalar, contudo, esta autonomia e liberdade não são absolutas, residindo na análise correta do médico em relação à existência ou não de risco iminente à vida do paciente, as consequências posteriores da referida “alta a pedido”.
Analisando os princípios basilares da bioética (Autonomia, Não-Maleficência, Beneficência, Justiça e Equidade), vê-se a “alta a pedido” como um conflito clássico de beneficência versus autonomia, portanto, havendo a solicitação de “alta a pedido”, o médico deve avaliar o paciente e emitir parecer técnico, indicando de maneira objetiva a existência ou não de risco eminente à vida deste paciente, adotando as seguintes condutas de acordo com esta avaliação:
a) Existência de risco iminente a vida do paciente:
Conforme se viu anteriormente, a regra é a autonomia e a liberdade do paciente em relação aos tratamentos que será submetido, sendo seu corpo “patrimônio” inviolável, gerando consequências cíveis e penais em caso de violação deste bem maior. No entanto, a legislação traz exceções claras a esta regra, repousando nestas exceções a responsabilidade do médico.
O Código de Ética Médica expressa o seguinte:
Capítulo V: Relação com pacientes e familiares
É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
O Código Penal também assegura o direito à autonomia e à liberdade em seu artigo 146 que trata do crime de constrangimento ilegal. No entanto, faz menção expressa em relação à atuação do médico em caso de perigo à vida, assim destacando:
Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:
I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
Fica claro, assim, que, no caso de iminente risco à vida, o médico tem o dever legal de agir, sob pena de responsabilidade civil e penal, estando na análise da gravidade e/ou iminência de perigo à vida o dever de condicionar a aceitação ou recusa da “alta a pedido”.
O valor supremo é a vida e sob esta ótica é que o médico deve aceitar ou não a “alta a pedido”, devendo analisar com extrema prudência e cautela a situação clínica do paciente, pois, havendo agravamento do quadro em consequência da “alta a pedido”, o profissional que a autorizou poderá ser por ele responsabilizado.
Assim, havendo iminente risco de vida do paciente, o médico deve recusar a “alta a pedido”, continuando o tratamento do paciente, situação em que o profissional estará isento de qualquer responsabilização. Ao contrário, aceitando a determinação do paciente, em resultando óbito, por exemplo, é flagrante a possibilidade de responsabilização penal e cível do médico.
É bom destacar que existindo impasse após a recusa em dar a “alta a pedido”, deve o médico em conjunto com a instituição hospitalar, procurar amparo perante os órgãos judiciais, para evitar uma futura ação indenizatória.
b) Ausência de iminente risco à vida e à integridade física do paciente:
Realizando análise criteriosa do estado clínico do paciente e não estando caracterizado o seu iminente risco à vida, o médico e o hospital devem respeitar o direito à autonomia e à liberdade do paciente.
Porém, por tratar-se de relação técnica, o médico deve tomar diversos cuidados para proteger o paciente e também resguardar-se de demandas futuras, devendo informar previamente ao paciente e/ou responsável legal todos os riscos, sequelas e consequências, para que os mesmos consintam de maneira livre e esclarecida.
Para isso, é elementar que o médico documente esta relação, não se limitando a conversas e orientações verbais, buscando preservar-se por meio dos seguintes documentos:
· Descrever de maneira pormenorizada em prontuário médico todas as informações prestadas e o consentimento do paciente;
· “Termo de Responsabilidade”, constando de maneira explícita os riscos, vantagens e desvantagens do abandono do tratamento, devendo o mesmo ser explicado ao próprio paciente e/ou aos seus responsáveis.
· Termo próprio de abandono de tratamento, fazendo constar que não se deu com alta médica a decisão do paciente, constando todos os riscos, consequências e sequelas, devendo ser assinado pelo paciente e/ou responsável legal juntamente com o médico assistente antes da saída do hospital.
Assim, o paciente que, devidamente esclarecido e sem iminente risco de vida, assumir o não cumprimento da determinação médica de permanecer sob tratamento hospitalar, desobriga o profissional de dar continuidade ao tratamento.
Ainda, dentro desta seara, temos uma situação que, muito embora menos frequente que a “alta a pedido”, não é fato raro dentro dos hospitais, especialmente os de grande porte, a ocorrência de fuga do paciente.
Nestes casos, a responsabilidade do médico e do hospital é analisada em virtude da capacidade do paciente, dividida basicamente em pacientes com incapacidade de discernimento e/ou incapazes legais e pacientes capazes e que possuem discernimento.
Para os pacientes com incapacidade de discernimento e/ou incapazes legais, a responsabilidade em relação ao paciente será transferida à pessoa ou ao estabelecimento a quem o mesmo foi confiado, havendo o dever de vigilância.
Desta forma, se caracterizada a fuga do paciente, o hospital será responsabilizado por conduta culposa, ou seja, “culpa in vigilando”, respondendo pelos danos causados ao paciente ou aos familiares.
Esta responsabilidade somente será afastada se a instituição hospitalar provar que não houve negligência ou falta de cuidado, devendo para tanto os profissionais responsáveis pelo atendimento procurar as autoridades policiais para lavratura de Boletim de Ocorrência, além de destacar no prontuário médico todas as questões pertinentes ao paciente e ao fato da fuga.
Já para os casos de pacientes que são capazes e possuem discernimento, havendo a fuga, é de extrema importância que conste no prontuário médico a capacidade do paciente de entender a situação da internação hospitalar e a condição em que se encontrava antes da fuga, descrevendo em seguida como se deu o fato da fuga propriamente.
Por cautela, ainda, indica-se a lavratura de boletim de ocorrência junto à autoridade policial descrevendo o fato, na intenção de amparar, preservar e afastar a responsabilidade do médico e da instituição hospitalar.
Assim, quando tratamos de responsabilidade do médico e do hospital para com o paciente, estamos tratando de uma responsabilidade limitada ao período em que o mesmo estiver no ambiente hospitalar, tendo como marco final a alta.
Portanto, o médico e a instituição hospitalar devem ter cuidados redobrados para a análise da alta deste paciente, pois, conforme explicado, sendo a alta médica hospitalar uma prerrogativa do médico, esta decisão deve ser tomada de acordo com os ditames éticos e legais, buscando sempre preservar a saúde do paciente e, no caso do médico, atuando de maneira preventiva em relações à futuras demandas administrativas e judiciais.
Por fim, mas não menos importante, é essencial analisar que, mesmo tendo solicitado e recebido “alta a pedido” ou tendo fugido do hospital, o paciente ou seus responsáveis poderão solicitar nova internação, sendo este seu direito, devendo o hospital atender a solicitação, resguardando-se com todos os apontamentos que envolvem a situação dentro do prontuário médico deste paciente de maneira prévia.
Dr. Thiago S. Centurião
A alta médica hospitalar, como o próprio termo identifica, decorre de uma prerrogativa do médico, responsável direto pela internação, acompanhamento e assistência do paciente, sendo esta alta, geralmente, o termo final do procedimento/tratamento a que foi submetido o paciente.
Na contramão desta alternativa, encontra-se a “alta a pedido”, termo que, muito embora utilizado corriqueiramente no meio médico, não é tecnicamente correto, pois, como afirmado anteriormente, a alta é prerrogativa do médico, não havendo possibilidade de delegação desta responsabilidade.
No entanto, é bem verdade que o paciente possui liberdade e autonomia e pode requerer o abandono do tratamento hospitalar, contudo, esta autonomia e liberdade não são absolutas, residindo na análise correta do médico em relação à existência ou não de risco iminente à vida do paciente, as consequências posteriores da referida “alta a pedido”.
Analisando os princípios basilares da bioética (Autonomia, Não-Maleficência, Beneficência, Justiça e Equidade), vê-se a “alta a pedido” como um conflito clássico de beneficência versus autonomia, portanto, havendo a solicitação de “alta a pedido”, o médico deve avaliar o paciente e emitir parecer técnico, indicando de maneira objetiva a existência ou não de risco eminente à vida deste paciente, adotando as seguintes condutas de acordo com esta avaliação:
a) Existência de risco iminente a vida do paciente:
Conforme se viu anteriormente, a regra é a autonomia e a liberdade do paciente em relação aos tratamentos que será submetido, sendo seu corpo “patrimônio” inviolável, gerando consequências cíveis e penais em caso de violação deste bem maior. No entanto, a legislação traz exceções claras a esta regra, repousando nestas exceções a responsabilidade do médico.
O Código de Ética Médica expressa o seguinte:
Capítulo V: Relação com pacientes e familiares
É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
O Código Penal também assegura o direito à autonomia e à liberdade em seu artigo 146 que trata do crime de constrangimento ilegal. No entanto, faz menção expressa em relação à atuação do médico em caso de perigo à vida, assim destacando:
Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:
I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
Fica claro, assim, que, no caso de iminente risco à vida, o médico tem o dever legal de agir, sob pena de responsabilidade civil e penal, estando na análise da gravidade e/ou iminência de perigo à vida o dever de condicionar a aceitação ou recusa da “alta a pedido”.
O valor supremo é a vida e sob esta ótica é que o médico deve aceitar ou não a “alta a pedido”, devendo analisar com extrema prudência e cautela a situação clínica do paciente, pois, havendo agravamento do quadro em consequência da “alta a pedido”, o profissional que a autorizou poderá ser por ele responsabilizado.
Assim, havendo iminente risco de vida do paciente, o médico deve recusar a “alta a pedido”, continuando o tratamento do paciente, situação em que o profissional estará isento de qualquer responsabilização. Ao contrário, aceitando a determinação do paciente, em resultando óbito, por exemplo, é flagrante a possibilidade de responsabilização penal e cível do médico.
É bom destacar que existindo impasse após a recusa em dar a “alta a pedido”, deve o médico em conjunto com a instituição hospitalar, procurar amparo perante os órgãos judiciais, para evitar uma futura ação indenizatória.
b) Ausência de iminente risco à vida e à integridade física do paciente:
Realizando análise criteriosa do estado clínico do paciente e não estando caracterizado o seu iminente risco à vida, o médico e o hospital devem respeitar o direito à autonomia e à liberdade do paciente.
Porém, por tratar-se de relação técnica, o médico deve tomar diversos cuidados para proteger o paciente e também resguardar-se de demandas futuras, devendo informar previamente ao paciente e/ou responsável legal todos os riscos, sequelas e consequências, para que os mesmos consintam de maneira livre e esclarecida.
Para isso, é elementar que o médico documente esta relação, não se limitando a conversas e orientações verbais, buscando preservar-se por meio dos seguintes documentos:
· Descrever de maneira pormenorizada em prontuário médico todas as informações prestadas e o consentimento do paciente;
· “Termo de Responsabilidade”, constando de maneira explícita os riscos, vantagens e desvantagens do abandono do tratamento, devendo o mesmo ser explicado ao próprio paciente e/ou aos seus responsáveis.
· Termo próprio de abandono de tratamento, fazendo constar que não se deu com alta médica a decisão do paciente, constando todos os riscos, consequências e sequelas, devendo ser assinado pelo paciente e/ou responsável legal juntamente com o médico assistente antes da saída do hospital.
Assim, o paciente que, devidamente esclarecido e sem iminente risco de vida, assumir o não cumprimento da determinação médica de permanecer sob tratamento hospitalar, desobriga o profissional de dar continuidade ao tratamento.
Ainda, dentro desta seara, temos uma situação que, muito embora menos frequente que a “alta a pedido”, não é fato raro dentro dos hospitais, especialmente os de grande porte, a ocorrência de fuga do paciente.
Nestes casos, a responsabilidade do médico e do hospital é analisada em virtude da capacidade do paciente, dividida basicamente em pacientes com incapacidade de discernimento e/ou incapazes legais e pacientes capazes e que possuem discernimento.
Para os pacientes com incapacidade de discernimento e/ou incapazes legais, a responsabilidade em relação ao paciente será transferida à pessoa ou ao estabelecimento a quem o mesmo foi confiado, havendo o dever de vigilância.
Desta forma, se caracterizada a fuga do paciente, o hospital será responsabilizado por conduta culposa, ou seja, “culpa in vigilando”, respondendo pelos danos causados ao paciente ou aos familiares.
Esta responsabilidade somente será afastada se a instituição hospitalar provar que não houve negligência ou falta de cuidado, devendo para tanto os profissionais responsáveis pelo atendimento procurar as autoridades policiais para lavratura de Boletim de Ocorrência, além de destacar no prontuário médico todas as questões pertinentes ao paciente e ao fato da fuga.
Já para os casos de pacientes que são capazes e possuem discernimento, havendo a fuga, é de extrema importância que conste no prontuário médico a capacidade do paciente de entender a situação da internação hospitalar e a condição em que se encontrava antes da fuga, descrevendo em seguida como se deu o fato da fuga propriamente.
Por cautela, ainda, indica-se a lavratura de boletim de ocorrência junto à autoridade policial descrevendo o fato, na intenção de amparar, preservar e afastar a responsabilidade do médico e da instituição hospitalar.
Assim, quando tratamos de responsabilidade do médico e do hospital para com o paciente, estamos tratando de uma responsabilidade limitada ao período em que o mesmo estiver no ambiente hospitalar, tendo como marco final a alta.
Portanto, o médico e a instituição hospitalar devem ter cuidados redobrados para a análise da alta deste paciente, pois, conforme explicado, sendo a alta médica hospitalar uma prerrogativa do médico, esta decisão deve ser tomada de acordo com os ditames éticos e legais, buscando sempre preservar a saúde do paciente e, no caso do médico, atuando de maneira preventiva em relações à futuras demandas administrativas e judiciais.
Por fim, mas não menos importante, é essencial analisar que, mesmo tendo solicitado e recebido “alta a pedido” ou tendo fugido do hospital, o paciente ou seus responsáveis poderão solicitar nova internação, sendo este seu direito, devendo o hospital atender a solicitação, resguardando-se com todos os apontamentos que envolvem a situação dentro do prontuário médico deste paciente de maneira prévia.
Dr. Thiago S. Centurião